sábado, 23 de janeiro de 2010

Entrevista à Presidente do Castelo de Sonhos


Procedemos a uma entrevista à Presidente da Instituição, D.Liliana Rodrigues, no dia 1 de Outubro e conclusão da mesma no dia 20 de Outubro de 2009.


Alunas - Porquê o nome Castelo de Sonhos?
Presidente - Quando pensei em iniciar este projecto lembrei-me da palavra Castelo porque nós aqui em Silves temos um Castelo lindo e sonhos porque agora toda a gente fala em sonhar e em ter sonhos realizados.
Sinto que fui a primeira pessoa a sonhar realmente em concretizar este projecto. E todos nós temos sempre imensos sonhos. Quem não tem casa sonha em tê-la, quem não tem comida anseia obtê-la.
As crianças são as primeiras a ser afectadas por problemas de falta de comida e condições, mas normalmente não são capazes de expressar as suas necessidades.

Alunas - Qual era o seu projecto inicial? O que a levou a mudar de ideias em relação a este?
Presidente - A ideia inicial era formar uma casa de mães solteiras. Acabou por ser alterada, pois fizeram-me a proposta de se formar uma creche com período prolongado para a noite.
Existem amas que dão vinho e calmantes aos bebés para os conseguir fazer adormecer, e isso sabe-se porque chegam aos hospitais crianças que estão afectadas cerebralmente por causa disso.
Ao ser confrontada com esta realidade decidi seguir com a ideia da creche nocturna para diante. Ate porque para mim em primeiro lugar estão sempre as crianças. Pensei que o país estava a evoluir e porque está também a envelhecer que seria importante dar apoio às crianças que temos.

Alunas - Antes de começar com o Castelo de Sonhos realizou algum estudo para averiguar as necessidades da região?
Presidente - Fiz um estudo, onde tomei conhecimento da realidade que aqui existia. Também comecei a visitar casas por minha conta, para descobrir as necessidades que existiam. Não iria abrir uma creche para pôr lá 4 ou 5 crianças. Precisava primeiro de saber que se justificava. Sabia que a creche de Silves tinha listas de espera e isso já era um sinal de falta de lugar para as crianças.
A associação passou a ser considerada uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) e portanto havia papelada a tratar. Tive a colaboração de um advogado voluntário. Foi um processo difícil, levou 2 anos.

Alunas - A que conclusão chegou após esse trabalho?
Presidente - Havia o falecimento de muitos nados cujas razões eram desconhecidas. Se bem que as causas não são muito difíceis de descobrir, as mães nunca são seguidas durante a gravidez. Devido à falta de informação e vigilância a alimentação é bastante restrita e deficiente pelo que a grávida não tem os nutrientes suficientes. A ignorância sobre os devidos cuidados a ter é muita e é uma realidade, os bebés cada vez nascem mais sensíveis.

Alunas - Como eram as condições em que as crianças nasciam?
Presidente - Penso que a razão que encontro para o facto de morrem tantas crianças à nascença se deve mesmo há falta de assistência. Já havia hospital nas proximidades, mas as pessoas não iam ter lá os seus filhos.

Alunas - Ao ver a realidade em que se vivia não sentiu necessidade de uma ajuda mais pessoal?
Presidente - Eu adoro crianças e tomar conhecimento desta realidade fez com que sentisse vontade de fazer algo mais. O facto de ter sido escuteira durante 20 anos também aumentou a minha ligação com as crianças. E dentro do escutismo toma-se contacto com grandes casos de pobreza. Havia crianças com necessidades, por negligência dos pais.
Mas isto é geral, esta realidade acorre em todo o País. Há o problema do alcoolismo que afecta imensas pessoas, em especial pais que depois maltratam os seus filhos e esposas.
Estas crianças são vítimas de tudo, não têm um carinho. Quando estão doentes e começam a chorar ainda correm o risco de levar uma bofetada por estarem a fazer barulho.

Alunas - Que apoios teve para criar o projecto?
Presidente - Tivemos o apoio de uma Off Shore inglesa, eu mostrei como tudo funcionava e eles acharam fantástico todo o trabalho desenvolvido. Apoiaram-nos e deram-nos um carro, o primeiro carro oficial da instituição.
E nós nunca mais parámos, as pessoas procuravam-nos. Eu ia à casa das pessoas e via famílias apenas com um prato de comida, e isto mesmo dentro da cidade. Com ajuda de amigas de longa data tudo foi crescendo.
As necessidades foram começando a crescer, eram precisas mantas, roupas, camas, colchões, todo o tipo de coisas, e com o meu carro também ia ajudando a distribuir tudo o que fazia falta.
Tive ajuda de técnicas para ajudar a criar o projecto Creche e procurámos junto da câmara procurar a autorização que tanto precisávamos. Infelizmente surgiram situações inexplicáveis e não conseguimos a aprovação.
Agora já não podíamos parar e continuámos com as ajudas, a voz de Silves foi a primeira a apoiar-nos e a câmara cedeu-nos a escola primária antiga no ano de 2000.
Os nossos voluntários foram crescendo, crescendo e hoje já somos 45 voluntárias. A maioria são estrangeiros, que nunca abandonam o seu posto, temos membros que organizam festas, conseguindo assim donativos. Arranjamos as instalações e com os anos fomos alargando os espaços. Recebemos uma vez por ano, através da segurança social comida que vem de Bruxelas.
A nossa instituição divide-se em: uma loja de vendas (que nos ajuda com as despesas), uma loja onde os utentes vão buscar gratuitamente o que necessitam, o banco alimentar, o teatro (realização de actividades) e o cinema (venda de mobiliário).
Cada agregado familiar tem um cartão para toda a família, os utentes com mais de 18 anos mesmo que estejam a viver com os pais e irmãos não têm o cartão do agregado familiar mas sim um cartão próprio.
O concelho de Silves é considerado o concelho mais pobre do Algarve e também o mais envelhecido.
Temos tido bastante apoio por parte das Juntas de Freguesia. Tentamos chegar mesmo à casa das pessoas, ou então deixamos os que as pessoas precisam nas Juntas, e assim torna-se mais fácil as pessoas chegarem ao que precisam.

Alunas - Quais são os principais utentes do Castelo dos Sonhos?
Presidente - A nível de utentes que são ajudados pelo castelo de sonhos existem muito mais portugueses que estrangeiros, especialmente crianças. Nos países de leste, em maioria os agregados familiares nunca ultrapassam os 2 ou 3 filhos, são por norma mais organizados nesse factor.

Alunas - A nível escolar, quais são as habilitações dos utentes?
Presidente - Aqui em Silves, ainda hoje existem casos de crianças que não vão à escola para trabalharem no campo.
No caso dos países de leste, os utentes têm uma escolaridade maior, a maioria tem o 12º ano completo. Uma coisa que me surpreendeu bastante é que temos utentes brasileiras que também têm o 12º ano completo, foi uma das coisas mais imprevisíveis com que eu me deparei.

Alunas - Quando aparecem pessoas a pedir ajuda no Castelo de sonhos costuma ter em consideração o nível de escolaridade?
Presidente - Sim, temos um protocolo com as escolas e estamos a desenvolver um bom trabalho de cooperação. Agora com estas novas oportunidades para concluir o 9º e o 12º ano. Alguns dos nossos trabalhadores estão a fazer essas formações.

Alunas - E aos cuidados de saúde?
Presidente - Em 1999 existiam pais que não deixavam as crianças irem ao médico. Tivemos que combinar com as mães formas de poderem ir ao médico sem que os pais soubessem. Existiam crianças de 7, 8, 9 anos que nunca tinham levado uma vacina. E tínhamos de arranjar uma forma para que as crianças pudessem ser vacinadas. As mães estavam sob violência dos maridos e não podiam agir contra a sua vontade.

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